sábado, 14 de fevereiro de 2009

Pássaro ausente

Era sábado e estávamos convidados a gastá-lo entre estranhos. Á espera do começo. Constrangidos, olhávamos para a correria do coração. Sábado na companhia de Glória, era de quem viesse - só o cavalo parado a porta da casa não se impacientava com a espera do grupo – à espera, como se fôssemos obrigados a talhar a acidez do olhar, solenes insulto de alegria - fomos convidados a sentar a mesa como fidalgos camponeses, fome que nasce na boca. Lá fora, da boca do cavalo escorriam palavras, formando espelho d’água – um facho de luz penetrava na sala. Nada poderia se opor a isso, a porta batia na benevolência do vento, em vão balançava o xale de Zélia, algo muito inspirado prosseguia. Um riso fino vagueava entre nós.
As margens da mesa vergavam nossos pensamentos...

O que escrevo agora não tem começo, é um halo de frases. Apenas fluirão dos lábios dos pássaros que cantam em coro – na janela eles voam como sementes. Entre nós, apenas um pássaro canta sozinho – é Clauber, nosso carioca, quero captar sua ausência. Essa ausência é nossa.

Precisamos ouvir os pássaros, alguma coisa tá batendo a porta – a pata do cavalo sobe os degraus. Bate, bate, não pára de bater... Os pássaros estão cantando suas frases, em cima, embaixo, dentro, fora, para todos os lados. Mas depois que Clauber cantou o “O sonho”, o adágio chega ao fim, não sei o que há. Então, ele começa apertar uma bola de papel, estava com os olhos como de um gato antes do pulo – todo o sentido avivado, deu meia-volta, afastou-se e seguiu – o céu era maior que a terra, seu coração nadava para longe... o céu contempla a terra em completo descanso – alguma coisa moveu-se no tempo – os ponteiros tiquetaqueiam em comboios, o tempo se foi ... a ausência de um dos pássaros é ampla, um morno vento invade a sala, os algarismos do tempo de Clauber se expandem, ele ultrapassa todas as curvas do relógio. O mistério é impessoal, e sua composição já não escorre na boca do babão... Enfim, em volta da mesa, estão todos os pássaros, o sol atingiu a altura da janela e iluminou a sala numa espécie de doida harmonia. Uma ventania desarruma nossos papéis, obrigo-me a lembrar que os pássaros são livres... Inútil querer classificar nosso pássaro fujão. As palavras voltam a trotar sobre o degrau – voar é sina, o que escorre agora é apenas a sintaxe do vôo...

Sábado, 13/12/2008
Nazareth Queiroz

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